Toda revista nasce da necessidade de publicizar, de dar vazão a ideias. Essa é
simplesmente uma necessidade do ser humano. Milan Kundera, em seu clássico
A insustentável leveza do ser, coloca isso de forma magistral ao demonstrar que
todos precisam de uma audiência, seja próxima, como uma família, seja distante,
como os leitores.
Escritores são tipos peculiares de pessoas que escolhem comunicar-se com
desconhecidos, utilizando o meio de comunicação mais complexo e desafi ador
já criado: o texto. A palavra escrita em si não é nada: apenas uma quantidade
de tinta disposta em um papel ou, mais modernamente, apenas um arranjo
binário na tela de um computador. Seu valor está naquilo que carrega: a ideia,
que consumiu o autor a ponto de exigir ser comunicada.
“Ideias têm consequências”, já dizia Richard M. Weaver. Podem espalhar-se de formas imprevisíveis e infl uenciar pessoas que ainda nem nasceram ao tempo que as ideias foram concebidas. Às vezes, mudam vidas, constroem e destroem nações; noutras, simplesmente desvanecem no ar. De repente, tornam-se lugares-comuns, repetidas com tanta naturalidade, que se desvinculam de seus autores, ganhando vida própria.
Correndo o risco de, em um extremo, transportar ideias que não encontram
seus destinatários, e, em outro, levar ideias cujo encontro com seus receptores
possa ter consequências imprevisíveis, a Revista da Procuradoria-Geral
do Banco Central chega ao seu quinto ano de existência, com um Conselho
Editorial consolidado e exigente e um aumento expressivo na qualidade e na
quantidade dos artigos recebidos.
Nesta edição, o primeiro artigo, “Unidade na Diversidade: fundamentos do
Direito Cosmopolita e sua função no estabelecimento de uma moeda mundial”,
foi escrito por Fernando dos Santos Lopes, representante no Brasil da Single
Global Currency Association.1 O autor toma uma posição audaz e corajosa ao
advogar a criação de uma moeda mundial como única forma de efetivamente
prover a paz, a justiça e a liberdade para todos os povos.
O artigo seguinte, “Alcance do Conceito de Administração Pública para Efeito
de Incidência de seus Princípios Constitucionais”, é de autoria de Leandro Sarai,
Procurador do Banco Central. A importância desse artigo reside principalmente
em dar valor a algo absolutamente fundamental e quase sempre esquecido:
o conceito, ou seja, o verdadeiro signifi cado dos termos que utilizamos em
nossa prática jurídica. A tese defendida é, como a do artigo anterior, audaz: a
Administração Pública deve ser compreendida em sentido amplo, incluindo
todos aqueles que atuam em nome do Estado.
Ainda abordando a Administração Pública, Lucio Picanço Facci, Procurador
Federal, escreve “Autolimitações Administrativas: considerações sobre o
dever de coerência da Administração Pública”. O artigo trata de uma questão
bastante conhecida no Direito Civil, mas debatida de forma escassa no Direito
Administrativo brasileiro: a proibição do comportamento contraditório. O autor
considera que o dever de coerência deriva dos princípios administrativos e é de
observância obrigatória em toda a Administração Pública.
Continuando a indispensável análise da Administração Pública, Lucas
Alves Freire, Procurador do Banco Central, escreve “A Desconsideração da
Personalidade Jurídica na Esfera Administrativa e seu Refl exo na Atividade
Persecutória Desenvolvida pelo Banco Central do Brasil”. Em consonância com o
texto anterior, o autor considera imprescindível que a Administração Pública atue
no sentido de concretizar o princípio da dignidade humana, repudiando tanto os
excessos quanto as defi ciências de suas atividades investigativas e punitivas.
Em seguida, Geraldo Frazão de Aquino Júnior, doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Analista do Banco Central do Brasil,escreve “A Repersonalização do Direito Civil a partir da Perspectiva do Direito Civil Constitucional”. O objetivo desse trabalho é demonstrar a evolução do Direito Civil brasileiro de uma perspectiva centrada na proteção do patrimônio para outra, focada no indivíduo, em obediência ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
O próximo artigo “Novas Perspectivas para a Análise dos Contratos
Bancários: pelo implemento de relações sustentáveis”, demonstra, mais uma
vez, a necessidade de adequação da prática jurídica aos novos paradigmas
legais e constitucionais. As autoras, Alexia Brotto Cessetti e Maureen Cristina
Sansana, ambas Mestras em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, dedicaram-se a analisar a incidência das
normas de Direito do Consumidor nas relações bancárias, especialmente no
tocante à vedação, à capitalização de juros e à limitação das taxas e encargos
praticados pelos bancos.
Em uma revista editada por um banco central, não poderia faltar um artigo
com análise fundamentada no Direito e na Economia. É o que faz Lucas Petri
Bernardes, ao escrever “Responsabilidade Civil do Administrador de Instituição
Financeira”. Sua tese é que a responsabilização civil objetiva dos administradores
de instituições fi nanceiras, além de legalmente inefi caz, é economicamente
inefi ciente, constituindo um fator de aumento dos custos das transações bancárias.
O Juiz e Mestre em Direito Público Orlando Faccini Neto fecha a sessão de
artigos com “A Proibição de Insufi ciência Penal: o exemplo privilegiado dos
crimes fi nanceiros”, tratando de um tema atual e ainda pouco debatido. O foco
da análise são os crimes fi nanceiros, considerados como a maior demonstração
da inadequada proteção penal conferida a bens de relevância constitucional.
A sessão seguinte conta com manifestações jurídicas da Procuradoria-Geral do Banco Central que foram selecionadas em razão de sua relevância: um parecer e três petições. O parecer refere-se à aplicabilidade, às sociedades limitadas, de determinadas normas previstas para as sociedades anônimas. As petições tratam de: atribuição de responsabilidade subsidiária de entidades públicas por débitos trabalhistas de terceirizados; prescrição das pretensões a restituição dos ex-consorciados quanto aos créditos não procurados após o encerramento do respectivo grupo consorcial; e da ausência de obrigatoriedade de comunicação prévia a clientes de instituição fi nanceira sobre o registro, no Sistema de Informações de Crédito (SCR), de dados referentes a operações de crédito.
Brasília, 30 de junho de 2011.
Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar
Editor-Chefe da Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central.
Procurador.
Publicado: 2011-10-31