Já se disse que o Brasil é um país carente de ideias. Porém, é difícil imaginar
algo mais distante da realidade. Ideias criativas e originais são pensadas todos os
dias nos órgãos públicos, nos escritórios de advocacia e mesmo no recesso dos
lares. Apesar disso, um fenômeno estranhamente brasileiro consiste em guardar
as ideias para si ou utilizá-las apenas como ferramentas de trabalho.

O dia a dia de qualquer órgão jurídico demonstra isso de maneira cristalina:
a toda hora, milhares e milhares de boas ideias são circunscritas ao restrito
universo das petições e dos pareceres. Sem qualquer falsa modéstia ou mesmo
vanglória, aqueles poucos que se dignam a publicizar suas ideias dão uma
contribuição inestimável ao, este sim, empobrecido debate cultural brasileiro.

Esta é a função de qualquer revista jurídica: enriquecer o panorama cultural
do País, trazendo uma nova abordagem para a resolução de novos e antigos
problemas. Com orgulho, a Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central
tem cumprido essa missão desde 2007, quando, em dezembro, foi lançada a
primeira edição. São exatamente quatro anos de contínua dedicação à alta
cultura jurídica brasileira. Em todas as edições, cada artigo, cada manifestação
jurídica trouxe o germe de inovações políticas, legislativas, administrativas,
judiciais e, quiçá, constitucionais.

Nesta edição, o primeiro artigo (A Loteria Judicial) foi escrito pelo procurador
Edil Batista Junior, que aborda corajosamente um dos temas mais sensíveis da
atualidade: a liberdade de que os magistrados devem dispor para interpretar e
aplicar a lei. O autor desconstrói vários mitos ainda persistentes no imaginário
jurídico brasileiro, como os dogmas da completude e da inequivocidade dos
textos legais, demonstrando que a norma jurídica é, necessariamente, construída
não apenas pelo legislador, mas também pelo juiz.

A atuação do Poder Judiciário continua a ser analisado no artigo seguinte (O Ativismo Judicial e um Novo Marco Jurídico-gerencial Democrático), de autoria do advogado da União Juliano Ribeiro Santos Veloso. Ele identifica o ativismo judicial com a expansão dos direitos previstos constitucionalmente, mas garantidos de maneira insuficiente pelo Legislativo e pela Administração Pública. Trata-se de uma expansão dos limites do Direito, que passa a contar cada vez mais com a participação de novos atores na construção das normas jurídicas.

Pode parecer natural que advogados públicos reflitam sobre seu maior cliente:
o Poder Judiciário. Sendo, porém, integrantes da estrutura da Administração
Pública, torna-se imperioso a compreensão crítica de seu próprio lugar de
atuação. Não se furtam desse desafi o os autores dos próximos artigos.

Rui Magalhães Piscitelli, procurador federal, disserta sobre O Direito
Fundamental a uma Administração Pública Constitucionalizante. De forma
inovadora, ele propõe que, sendo apenas exemplifi cativa a enumeração
constitucional de direitos fundamentais, deve ser considerada, como direito
fundamental, a conformação da Administração Pública aos princípios
constitucionais, tornando-a mais um instrumento de plena realização do
princípio da dignidade humana.

Em seguida, Meire Lúcia Monteiro Gomes Mota Coelho, procuradora federal,
e Magda de Lima Lúcio, professora da Universidade de Brasília, escrevem
Litigiosidade e Impacto na Gestão Pública – A Mediação como Instrumento de
Gestão – A experiência da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração
Federal. Trata-se de um trabalho em três passos: uma profunda análise do
impacto que a crescente litigiosidade tem sobre o Estado; considerações sobre os
fundamentos teóricos da mediação e conciliação como instrumentos de gestão
no contexto da Administração Pública federal; e, fi nalmente, a apresentação da
experiência da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal
(CCAF), órgão da Consultoria-Geral da União.

O próximo artigo demonstra, mais uma vez, a necessidade da mediação na Administração Pública e o que pode ser feito para aperfeiçoar esse instrumento. A autora, Luciane Moessa de Souza, procuradora do Banco Central, dedicou-se a propor aprimoramentos no processo administrativo sancionador da autarquia, defendendo a regulamentação do tema por meio de resoluções do Conselho Monetário Nacional e a necessidade de gerenciamento coletivo de demandas repetitivas, além de analisar questões relevantes envolvidas na celebração de termos de ajustamento de conduta. Em uma revista editada por um banco central, é inevitável a existência de artigos envolvendo a legislação bancária. A novidade desta edição é exatamente a legislação estudada: a russa. Alexei Guznov, vice-diretor do Departamento Legal do Banco da Rússia, e Tatiana Rozhdestvenskaya, professora de Direito em Moscou, descrevem a legislação bancária russa atual, suas origens e suas perspectivas. Trata-se de oportunidade única de compreender o sistema financeiro de um país que, como o Brasil, é considerado uma das grandes potências emergentes do século XXI. A procuradora do Banco Central Kátia Cilene de Carvalho fecha a sessão de artigos com um trabalho de nome injustamente modesto: Breves Anotações sobre a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior. O que torna a modéstia injusta, neste caso, não é apenas a abrangência do trabalho, mas, principalmente, seu ineditismo: trata-se, provavelmente, do primeiro artigo jurídico a tratar em profundidade desse tema, cuja análise costuma fi car restrita aos burocratas e economistas. Tornar-se-á, indubitavelmente, uma obra que referência aos juristas que futuramente estudarem o assunto. A sessão seguinte conta com manifestações jurídicas da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil que foram selecionadas em razão de sua relevância: dois pareceres e duas petições. Os pareceres referem-se: às inovações, propostas no anteprojeto de novo Código de Processo Civil, relativas ao regime legal de penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação fi nanceira; e à defesa, em mandado de segurança, da legalidade do indeferimento do pedido de constituição de pessoa jurídica para operar em mercado de câmbio, baseada na ausência do requisito “reputação ilibada”. As petições tratam de: requerimento de ingresso em feito como amicus curiae com as fi nalidades de explicitar o que é o Sistema de Solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central (Bacen Jud) e expor as razões que evidenciam sua legalidade.; e de reclamação, dirigida ao Supremo Tribunal Federal, contra decisões que consideraram intempestivos os embargos à execução opostos pelo Banco Central, ajuizados no prazo fi xado no art. 1º-B da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997.


Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar
Procurador do Banco Central.
Editor-Chefe da Revista da
Procuradoria-Geral do Banco Central.

Publicado: 2011-07-27