Durante muito tempo, foi aceito o ponto de vista de que a formulação e a administração da política econômica deveriam ser matérias entregues exclusivamente a tecnocratas, apoiados na expertise técnica de especialistas formados em Economia. O campo disciplinar da Economia era visto como a fonte principal – e, em tese, suficiente – de conhecimentos dos quais seria possível derivar as prescrições formativas da política econômica e dos procedimentos de sua implementação.
Contudo, hoje, cresce o consenso em torno da idéia de que a perspectiva econômica necessita ser complementada com outras perspectivas disciplinares e ser combinada, em especial, com a análise jurídica. Isso deriva da percepção de que os mercados – financeiros, de trabalho, de commodities, de bens de consumo e tantos outros – têm uma estrutura institucional complexa e em transformação constante. A dinâmica de transformações institucionais ocorre a partir das ações e estratégias de grupos de interesse, decisões de autoridades, oscilações da opinião pública, especulações, guerras e dos impactos oriundos de avanços tecnológicos.
Além disso, a estrutura institucional dos mercados e as mudanças a que ela está sujeita adquirem formas jurídicas (abrangendo a existência e a supressão de direitos, titularidades, deveres e referenciais normativos) que são objeto e
meio de deliberação de autoridades públicas, ao mesmo tempo em que oferecem motivações para a formação de planos de ação política (o reposicionamento de grupos e suas reivindicações diante de outros grupos e diante do Estado) e de ação econômica local e internacional.
Dada essa nova percepção, torna-se clara a necessidade de se articularem intelectual e tecnicamente a formulação e a administração da política econômica com a análise jurídica. É essa análise que é capaz de estimar ou avaliar criticamente a formação de consensos especializados, ou contestar a sua prevalência, a respeito de sentidos produzidos em torno de inúmeros referenciais normativos, relevantes para a estruturação e implementação da política econômica.
Contudo, dito isso, cabe imediatamente registrar uma dificuldade: se é possível sustentar que o lado fiscal da política econômica tem conexões nítidas com o Direito, em virtude da existência de doutrinas jurídicas robustas e historicamente sedimentadas, atinentes aos tributos e à administração do sistema tributário, o mesmo não pode ser dito a respeito do lado monetário e financeiro da política econômica, incluindo a instituição e a defesa interna e externa da moeda, a organização dos meios de pagamento, as políticas de crédito, a cooperação monetária internacional, entre outras.
Nesse sentido, é mais do que bem-vinda a publicação, que agora vem a lume, sob a forma da Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central. Em seu primeiro número, a Revista já oferece instigantes e informativos estudos e pareceres jurídicos sobre temas de grande relevância para a administração da política monetária e para o exercício da supervisão bancária. E é significativo que tenha feito parte do impulso inicial para a criação desse periódico jurídico a realização do I Curso de Pós-Graduação (Lato sensu) em “Direito Econômico da Regulação
Financeira”, ocorrido entre outubro de 2004 e abril de 2006, em parceria entre o Banco Central do Brasil e a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, cuja coordenação acadêmica tive a especial satisfação de exercer.
A perspectiva acadêmica interdisciplinar pôde ressaltar argumentos que evidenciam o caráter imprescindível do trabalho jurídico para que a política econômica se torne uma realidade institucional na democracia brasileira, hoje imersa em um mundo de estabilidades efêmeras, em parte decorrentes do acirramento da competição econômica internacional. Nesse mundo, a eficiência não equivale à suficiência. Com efeito, de um modo geral, uma economia pode ser eficiente e, ao mesmo tempo, injusta. Neste último caso, a tendência é que, no longo prazo, a competitividade, minada pelo sub-emprego e pela desigualdade, saia perdendo. Aceitar isso, no passado, pôde fazer parte de grandes pactos políticos, por parte de quem deles se beneficiava. Porém, foi-se o tempo da Guerra Fria, em que a existência dessas economias (injustas) era absorvida na geopolítica da bipolaridade. Uma economia dinâmica e efetivamente competitiva, no mundo contemporâneo, necessita aliar a eficiência econômica à promoção da justiça.
A Revista da PGBC, que agora é oferecida ao público, sem dúvida contribui para a promoção dessa aliança, promissora e benfazeja, no campo das atribuições do Banco Central do Brasil.
Brasília, 11 de dezembro de 2007.
Professor Marcus Faro de Castro
Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
Publicado: 2010-03-15